ECONOMIA ALTERNATIVA
Acaba de realizar-se no Uruguai a VI Feira Nacional da Economia Solidária. Evento irrelevante e experiências micro? Respondo: micro-revolucionário, mas mega-transformador. Gosto dos heróis invisíveis
Carola Reintjes para Le Monde Diplô
A globalização econômica é a globalização dos cristais quebrados. A Economia Alternativa e Solidária funde estes milhões de pedacinhos partidos, milhões de pedacinhos micro. Fundidos a temperatura rebelde, transformam-se em espelho cristalino, um espelho do que é a economia neoliberal, e do que pode ser uma economia inovadora.
No Uruguai, não houve a revolução. Não se apresentou uma tese de doutoramento sobre macro-economia. Não houve nada transcedental, nem inédito. Mesmo assim, tudo o que se apresentou é profundamente inovador e revolucionário. Micro-revolucionário, mas mega-transformador.
Há quem prefira as grandes revoluções. Sabem o que digo? Já me cansei das mega-revoluções e dos super heróis. Prefiro os heróis invisíveis, ao mesmo tempo tão visíveis, milhões de camponesas e artesãos. Empreendedores comprometidos.
Aquelas formiguinhas que fazem sua revolução às segundas-feiras de manhã. Todos os dias. Todos os anos. Uma eternidade. E o fazem sem dar grande importância. Sem discursos eloqüentes nem campanha publicitária. Mas fazem. Transformam, dia após dia, o ambiente econômico e social. Repensam e reconstróem conceitos. Transformam pensamentos e realidades sócio-econômicas. Seus empreendimentos auto-administrados, que contestam a economia neoliberal, são exemplo vivo de que "outra economia é possível".
Tão necessária. Nos rendemos, nos declaramos vencidos diante dos vencedores, os novos senhores do mundo. Entregamos o terreno da economia para seu jogo de roleta-russa. Jogo sem piedade, que arrasa com a lógica esmagadora do aumento incessante de lucros.
No pensamento neoliberal, sob o dogma do livre mercado, tanto o conceito de riqueza como os indicadores para medi-la parecem reduzir-se ao valor produtivo e mercantil. Não pesam o impacto social, cultural e ambiental da atividade econômica. Endeusam uma escala de valores que atiça a competição entre os atores sociais e econômicos, e coloca o paradigma social e do meio ambiente a serviço da produção econômica e de parâmetros utilitaristas e mercantilistas.
Economia rebelde. Mudança radical das pautas de pensamento, organização pessoal e consumo
A Economia Alternativa e Solidária é rebelde. Tem potencial subversivo de empoderamento das comunidades e transformação social. Está ao alcance de nosso quotidiano, mas tem enorme potencial. Não é apenas a reorganização mais justa da atividade econômica, mas mudança radical das pautas de pensamento, organização pessoal e consumo. Vê os seres humanos como sujeitos e atores principais da transformação social, econômica, de política e cultura. Coloca-os no centro da economia, como protagonistas e beneficiários. Sua origem e fim é o cidadão responsável, que quer manter controle sobre como se produz, troca, consume, investe ou economiza.
Também pretende enfrentar o desafio de criar um equilíbrio entre a atividade econômica e social e sua dimensão ambiental. Assume a dualidade dos valores — meio-ambiente e interesses sociais ou individuais — como algo que contribui para a dimensão integral da produção de riquezas. Natureza e pessoa não são recursos, mas valores supremos com direitos. A diversidade das pessoas tem uma importância especial em sua dimensão cultural, de raça, religião ou gênero. Exige respeito ao à diversidade — que se transforma em valor (e não obstáculo) à vontade de integrar o planeta.
Tudo isso obriga a repensar conceitos como riqueza e bem-estar social. Que projeto permitem assegurá-los para todos? Haverá vencedores e vencidos? Como assegurar poder equilibrado entre quem produz e quem consome? Por que caminhos construir o poder cidadão? Ou iríamos nos reduzir a votar uma vez a cada tantos anos, se podemos decicir diariamente, por meio de nossas ações e atitudes?
Como dizem os organizadores da VI Feira de Economia Solidária, em Montevidéu: "ela é muito mais do que se vê". Boa sorte! E a Feira Permanente da Economia Alternativa e Solidária nem bem começou, por todo o mundo. E vivam as formiguinhas da revolução das segundas-feiras.
Tradução: Gabriela Leite Martins gabrielaleite89@gmail.com
Mais
Carola Reintjes é colunista do Caderno Brasil de Le Monde Diplomatique. Edições anteriores da coluna:
23 outubro 2007
A Revolução das segundas-feiras
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário