23 outubro 2007

Por trás dos links, as pessoas

Há dois séculos, a ciência descobriu e passou a analisar as redes. Há vinte anos, elas estão revolucionando o jeito de a sociedade se relacionar consigo mesma
Dalton Martins, Hernani Dimantas para o Le Monde Diplô

O matemático suíço Leonhard Euler foi, em 1780, o precursor do pensamento analítico sobre redes. Suas primeiras idéias diziam que eram compostas por nós e links — elos que ligam os nós. Os links são aleatoriamente espalhados entre os nós, formando redes de distribuição aleatória. A teoria de Euler aponta para o caos, ao sustentar que não existem nós centrais e que toda a rede é desprovida de hierarquia.

A palavra rede tem assumido novas conotações, e novas estruturas de comunicação surgiram, potencializando as possibilidades de conversação e circulação da informação. As estruturas matemáticas criadas por Euler para análise das redes passaram a ganhar maior relevância, mas muitas de suas previsões se mostraram sem sentido quando começamos a olhar para as redes sociais, a forma como os seres humanos se organizam — e para como se articulam nossas ações em rede.

Se Euler estivesse correto, os quase 6 bilhões de seres humanos (nós) no planeta deveriam ter aproximadamente o mesmo número de amigos (links). No entanto, nos anos 60, Stanley Milgram, um pesquisador da Universidade de Harvard, realizou um experimento que ficou conhecido como o "os 6 graus de separação".

A compreensão popular do experimento de Milgram aponta que estamos a apenas 6 graus de qualquer pessoa no mundo. Exemplo: será que conheço alguém, que conhece outro alguém, que conhece alguém que te conhece? Estar no máximo a 6 níveis de separação de qualquer outra pessoa significa que o mundo é pequeno pra caramba.
O foco nas experiências sociais

Entretanto, os resultados que Milgram obteve de seus experimentos foram mais radicais. Bem diferentes. Ele descobriu situações como as seguintes:
> Três níveis de separação: algumas pessoas possuem links privilegiados, logo conseguem conectar-se com outras por três níveis de separação;

> Cem níveis de separação: outras pessoas precisam de em torno de cem links para chegarem a outras pessoas. É sinal de que são grupos de pessoas bem mal conectados, mal posicionados na estrutura das redes sociais;

> Sem links: muitas pessoas possuem poucos ou nenhum link, restando como verdadeiras ilhas isoladas dentro da sociedade.

Surge, do experimento de Milgram, uma nova forma de enxergar as redes. O foco está nas experiências sociais. Os nós não seriam conectados aleatoriamente uns aos outros. Alguns deles aglutinam posições estratégicas, como elos. Ou seja, pessoas assumem papéis de protagonismo social a partir de suas possibilidades de conexão com outras pessoas.

Para validar tal premissa, um sociológo norte-americano, Mark Granovetter, realizou um outro experimento no final dos anos 60. Tinha por objetivo pesquisar a forma como as pessoas procuravam emprego. Granovetter identificou que a sociedade era formada por grupos de pessoas, ou clusters. Ele percebeu que as pessoas que possuíam conexões ou relações distantes com outras fora círculo familiar tinham duas vezes mais chances de conseguir uma vaga do que pessoas que tinham mais conexões próximas apenas no âmbito da família e dos amigos próximos. A análise de Granovetter era de que grupos próximos mais fortemente conectados possuíam interesses similares, logo com menos possibilidades de inserção.

Um novo padrão de relações entre as pessoas
Essas descobertas geraram uma revolução no pensamento da sociologia da época. Novas propostas de como potencializar as conexões entre as redes sociais começaram a surgir. Pensando estrategicamente, o número de conexões era fundamental para ampliar a circulação da informação, seja de idéias, de vagas de emprego ou de experiências compartilhadas.
Coincidentemente ou não, estamos falando da mesma época do surgimento da Internet, as primeiras conexões entre computadores, permitindo que mensagens bastante simples fossem trocadas e que pessoas pudessem estabelecer novos links de conexão entre si.

A tecnologia que vinha sendo desenvolvida parecia permitir uma ampliação nesse potencial de conexão entre as pessoas, criando novas possibilidades de ampliação da capilaridade das redes sociais. Novas formas de conexão, de estabelecimento de links, novas formas de desenharmos nossas próprias redes e os grupos de pessoas organizados em torno da tecnologia. Surgia a dinâmica do virtual, do email, das listas de discussões e das possibilidades de nos linkarmos usando as tecnologias da rede.

De lá para cá, muitas idéias foram implementadas, muitas tecnologias foram desenvolvidas. Surgiram Yahoo, Google, Orkut, MySpace, Facebook, Ning, Blogger, Youtube e tantas outras possibilidades de conversação em rede. Das muitas promessas de ampliação da conexão e do "todos conversando com todos", que as tecnologias da informação trouxeram, ainda observamos os mesmos padrões de comportamento das redes: clusters extremamente influentes nas articulações em rede e grupos isolados, com pouca ou nenhuma conectividade.

Novas tecnologias e novos desafios pela frente. O cenário está montado. Emerge um espaço para construção de um diálogo contínuo por várias lentes e percepções das dinâmicas de conversação, de desenvolvimento e ação que as novas tecnologias permitem a partir da construção de novas formas de redes sociais.

A Revolução das segundas-feiras

ECONOMIA ALTERNATIVA
Acaba de realizar-se no Uruguai a VI Feira Nacional da Economia Solidária. Evento irrelevante e experiências micro? Respondo: micro-revolucionário, mas mega-transformador. Gosto dos heróis invisíveis
Carola Reintjes para Le Monde Diplô

A globalização econômica é a globalização dos cristais quebrados. A Economia Alternativa e Solidária funde estes milhões de pedacinhos partidos, milhões de pedacinhos micro. Fundidos a temperatura rebelde, transformam-se em espelho cristalino, um espelho do que é a economia neoliberal, e do que pode ser uma economia inovadora.

No Uruguai, não houve a revolução. Não se apresentou uma tese de doutoramento sobre macro-economia. Não houve nada transcedental, nem inédito. Mesmo assim, tudo o que se apresentou é profundamente inovador e revolucionário. Micro-revolucionário, mas mega-transformador.
Há quem prefira as grandes revoluções. Sabem o que digo? Já me cansei das mega-revoluções e dos super heróis. Prefiro os heróis invisíveis, ao mesmo tempo tão visíveis, milhões de camponesas e artesãos. Empreendedores comprometidos.

Aquelas formiguinhas que fazem sua revolução às segundas-feiras de manhã. Todos os dias. Todos os anos. Uma eternidade. E o fazem sem dar grande importância. Sem discursos eloqüentes nem campanha publicitária. Mas fazem. Transformam, dia após dia, o ambiente econômico e social. Repensam e reconstróem conceitos. Transformam pensamentos e realidades sócio-econômicas. Seus empreendimentos auto-administrados, que contestam a economia neoliberal, são exemplo vivo de que "outra economia é possível".

Tão necessária. Nos rendemos, nos declaramos vencidos diante dos vencedores, os novos senhores do mundo. Entregamos o terreno da economia para seu jogo de roleta-russa. Jogo sem piedade, que arrasa com a lógica esmagadora do aumento incessante de lucros.

No pensamento neoliberal, sob o dogma do livre mercado, tanto o conceito de riqueza como os indicadores para medi-la parecem reduzir-se ao valor produtivo e mercantil. Não pesam o impacto social, cultural e ambiental da atividade econômica. Endeusam uma escala de valores que atiça a competição entre os atores sociais e econômicos, e coloca o paradigma social e do meio ambiente a serviço da produção econômica e de parâmetros utilitaristas e mercantilistas.
Economia rebelde. Mudança radical das pautas de pensamento, organização pessoal e consumo
A Economia Alternativa e Solidária é rebelde. Tem potencial subversivo de empoderamento das comunidades e transformação social. Está ao alcance de nosso quotidiano, mas tem enorme potencial. Não é apenas a reorganização mais justa da atividade econômica, mas mudança radical das pautas de pensamento, organização pessoal e consumo. Vê os seres humanos como sujeitos e atores principais da transformação social, econômica, de política e cultura. Coloca-os no centro da economia, como protagonistas e beneficiários. Sua origem e fim é o cidadão responsável, que quer manter controle sobre como se produz, troca, consume, investe ou economiza.

Também pretende enfrentar o desafio de criar um equilíbrio entre a atividade econômica e social e sua dimensão ambiental. Assume a dualidade dos valores — meio-ambiente e interesses sociais ou individuais — como algo que contribui para a dimensão integral da produção de riquezas. Natureza e pessoa não são recursos, mas valores supremos com direitos. A diversidade das pessoas tem uma importância especial em sua dimensão cultural, de raça, religião ou gênero. Exige respeito ao à diversidade — que se transforma em valor (e não obstáculo) à vontade de integrar o planeta.

Tudo isso obriga a repensar conceitos como riqueza e bem-estar social. Que projeto permitem assegurá-los para todos? Haverá vencedores e vencidos? Como assegurar poder equilibrado entre quem produz e quem consome? Por que caminhos construir o poder cidadão? Ou iríamos nos reduzir a votar uma vez a cada tantos anos, se podemos decicir diariamente, por meio de nossas ações e atitudes?

Como dizem os organizadores da VI Feira de Economia Solidária, em Montevidéu: "ela é muito mais do que se vê". Boa sorte! E a Feira Permanente da Economia Alternativa e Solidária nem bem começou, por todo o mundo. E vivam as formiguinhas da revolução das segundas-feiras.
Tradução: Gabriela Leite Martins gabrielaleite89@gmail.com
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Carola Reintjes é colunista do Caderno Brasil de Le Monde Diplomatique. Edições anteriores da coluna: