19 fevereiro 2009

Depois do capitalismo

Por Michelle Portela, de Manaus
Agência FAPESP – “As organizações e governos precisam incorporar as experiências dos diversos movimentos sociais, em especial o indígena e o camponês, protagonistas nas lutas sociais na Amazônia, se quiserem contribuir efetivamente para a construção de um novo modelo de civilização. Isso envolve processar a fusão do pensamento marxista às características particulares dos povos, em uma cultura denominada ecossocialismo.”

A proposta é de Michael Löwy, diretor de pesquisas em ciências sociais do Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNRS). Filho de imigrantes judeus da Áustria, Löwy nasceu em São Paulo em 1938, onde se graduou em ciências sociais pela Universidade de São Paulo, em 1960. No ano seguinte, mudou-se para Paris.

A obra de Löwy abrange diversas questões, que vão do marxismo ao surrealismo, sendo marcada por um interesse constante pelo pensamento libertário. Seus livros e ensaios voltam-se principalmente para a sociologia do conhecimento.

Entre seus livros estão Romantismo e Messianismo: ensaios sobre Lukács e Benjamin (publicado no Brasil em 1990), Revolta e Melancolia: o Romantismo na contramão da modernidade (1995), A Guerra dos Deuses: religião e política na América Latina (2000), Nacionalismo e Internacionalismos: da época de Marx até nossos dias (2000), A Estrela da Manhã: Surrealismo e Marxismo (2002) e Walter Benjamin: Aviso de Incêndio - Uma leitura das teses “Sobre o conceito de história" (2005).

Löwy concedeu entrevista à Agência FAPESP, em Manaus, pouco antes do Fórum Social Mundial, cuja nona edição foi realizada em Belém, de 27 de janeiro a 1° de fevereiro.
Para o sociólogo, a esquerda precisa encontrar um ponto de convergência entre as mobilizações camponesas, indígenas e o movimento urbano. Se, porém, até agora, o socialismo fracassou nessa meta, tampouco o ambientalismo alcançou algo parecido, segundo afirma.

Agência FAPESP – Como o senhor vê a conjugação dos movimentos sociais com as iniciativas ambientais para a construção política, particularmente na Amazônia brasileira? Michael Löwy – A experiência de Chico Mendes [1944-1988, líder seringueiro] e da Aliança dos Povos da Floresta [articulação entre índios, seringueiros e ribeirinhos] é apaixonante. São exemplos de como partir de uma questão concreta até conseguir articular uma aliança para defender a floresta contra a destruição promovida pelos interesses econômicos. Chico e seus companheiros tinham uma visão claramente socialista. Por isso, é importante compreender que o ecossocialismo não é uma visão de futuro, mas algo que reúne os desafios e iniciativas atuais, como a defesa da floresta a partir da união entre os povos indígenas e camponeses. Há uma relação entre a utopia socialista e as lutas concretas que se dão no campo e na cidade.

Agência FAPESP – A Amazônia seria o terreno mais fértil para a construção dessa nova experiência? Löwy – Nós, ecossocialistas, estamos entusiasmados com o Fórum Social Mundial. Viemos trazer nossa mensagem: as soluções capitalistas para o meio ambiente fracassaram. As respostas dos governos e das empresas são ineficazes para as questões ambientais mais dramáticas, como o aquecimento global. Nosso primeiro objetivo é elevar a consciência anticapitalista, fazer entender que o capitalismo é um sistema que leva à destruição do meio ambiente, promovendo catástrofes ambientais. Outro objetivo é mostrar que existem alternativas.

Agência FAPESP – Mas essa é uma questão que não pode ser abstrata. Löwy – Sim, ela tem que partir de movimentos e reivindicações concretas. Queremos dialogar com movimentos indígenas, campesinos e outros, para, de um lado, trazer a nossa visão, e, de outro, aprender com eles. Sobretudo, queremos escutar para aprender. A questão amazônica é fundamental para o Brasil e para a humanidade. É o que chamamos de poço de carbono. Se não fosse por ela, já teríamos entrado em um processo de aquecimento global catastrófico. A destruição da Amazônia coloca em perigo o conjunto da humanidade. É de interesse direto das populações que vivem na Amazônia, o problema é conjugar o interesse concreto com o universal.

Agência FAPESP – Como o senhor avalia a situação atual na região? Löwy – O inimigo na Amazônia são os interesses do agronegócio, das multinacionais, para os quais a floresta é fonte de mercadoria ou, simplesmente, sinônimo de pasto para o gado ou terra para soja, o que seja. Há um enfrentamento fundamental e, infelizmente, o progresso destrutivo do capitalismo está ganhando. A destruição da floresta não apenas não se reduz como avança, e a avidez destruidora é muito mais agressiva e eficaz do que as tentativas limitadas de proteger e defender a região. Se continuar desse jeito, daqui a alguns anos, boa parte da floresta vai acabar e vamos ter de tirar o verde da bandeira e colocar cinzento, que é a cor da fumaça.

Agência FAPESP – Na Europa, os países tendem a parecer mais sensíveis à questão ecológica. Löwy – De certa maneira, os países europeus são mais sensíveis até que seus interesses sejam prejudicados. Isso mostra os limites da consciência ecológica das classes dominantes. No último encontro do G8 [os sete países mais ricos do mundo mais a Rússia], discutiu-se a questão ambiental. A Europa se propôs a colocar cifras concretas na redução de gás carbônico enquanto outros países, como os Estados Unidos, aceitaram apenas discutir a questão. O presidente da França incluiu a palavra “seriamente” e ficou por isso. A visão deles é determinada pela lógica do sistema.