Corrida das cidades digitais agita o mercado de redes
Valor Econômico,
André Borges e Talita Moreira
02/08/2007
A praça central de Santa Cecília do Pavão não difere muito daquelas encontradas em qualquer cidadezinha do país. Lá está a igreja - nesse caso, de Santa Cecília, rebatizada pelas águas do rio Pavão, que banha o município. Lá estão as pombas empoleiradas nos bancos, as mesas de jogo de dama, alguns aposentados, o coreto abandonado. Mas, nos próximos dias, essa paisagem vai mudar.
Uma torre de vidro está pronta para ser instalada no meio da praça. Dentro dela, uma rede de computadores estará à disposição para que a população ceciliense possa, finalmente, navegar na tal internet. "Será nosso coreto digital", diz o prefeito Edimar Santos (PTB-PR).
O prefeito de Santa Cecília tem internet em casa. Não tinha quando chegou à cidade para trabalhar como agente funerário, nos anos 90. Mas Santos progrediu rápido, ganhou popularidade, montou o grupo Santos, sua empresa do ramo funerário, e foi escolhido para governar a cidade.
Diferentemente do prefeito, o município não cresceu tanto. Por muito tempo, internet continuou a ser tema incomum no cotidiano dos 5 mil habitantes de Santa Cecília do Pavão, município 362 quilômetros ao norte de Curitiba. De base agrícola e com renda per capita de R$ 162, a cidade fica escondida entre montanhas, longe de grandes centros, numa área em que os cabos de telefonia não oferecem banda larga. Não há provedor local de internet. "Se alguém quisesse acessar a rede, tinha de fazer um interurbano", diz Santos.
Mas há dois meses a prefeitura fechou um projeto para cobrir a cidade com uma rede sem fio. Participaram da iniciativa a Universidade Tecnológica Federal do Paraná, o Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro) e a D-Link, fabricante de equipamentos de rede. Rádios de comunicação WiFi foram instalados no município, interligando a prefeitura a demais órgãos públicos, como biblioteca, posto de saúde e escolas. Uma antena de alta capacidade foi montada sob uma montanha e direcionada para outra, a 60 quilômetros dali, em Londrina. A prefeitura abriu o sinal para a população.
Santa Cecília descobriu a internet. "Cerca de 250 casas já têm computador", comemora Santos. Agora, o projeto será estendido com a criação desse telecentro na praça central, para conectar os cidadãos que não têm condições de adquirir um PC. Além de incentivar a inclusão digital, a prefeitura reduziu custos. A conta telefônica municipal chegava a R$ 27 mil por mês. Com o uso da web para trafegar voz (tecnologia chamada de voz sobre protocolo de internet), a despesa caiu para algo em torno de R$ 2 mil. "Mantemos a rede WiFi funcionando com R$ 680 por mês", afirma Santos.
Histórias assim têm se espalhado com rapidez pelo Brasil. Nos últimos anos, cidades pequenas, que estão fora das áreas "iluminadas" por cabos de fibra óptica passaram a ver nas tecnologias de comunicação sem fio uma forma de reduzir a exclusão digital e, principalmente, eliminar gastos. Esse processo intensificou-se em 2007.
Embora a maioria dos projetos ainda se encontre em fase experimental, a movimentação já é suficiente para mexer com os negócios dos fornecedores de equipamentos. A Nortel, que começou a olhar para esse mercado no ano passado, tem capacitado parceiros para testes em municípios de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, diz o gerente sênior da área de desenvolvimento de negócios de WiMax, Cláudio Falcone. "É um mercado grande, e hoje ainda há centenas de municípios que sequer têm acesso à internet discada."
Não há números oficiais sobre quantos municípios têm executado projetos similares ao de Santa Cecília do Pavão. Segundo o Ministério das Comunicações, 3,3 mil cidades do país já têm em funcionamento pelo menos um telecentro, local público de acesso gratuito à internet. No próximo mês, o governo deve lançar uma licitação para contratar novos links de satélite para expandir sua rede. O contrato deverá atingir R$ 200 milhões por ano. As iniciativas federais, no entanto, muitas vezes correm descoladas de projetos tocados por municípios. Nesta esfera, empresas do setor procuram patrocinar casos que demonstrem a viabilidade de suas tecnologias, na prática.
Em Santa Cecília, a D-Link forneceu os rádios de comunicação. Já em Ouro Preto (MG), o projeto teve apoio da Intel. A Motorola, que participou da iniciativa de Macaé (RJ), também tem ofertado equipamentos para degustação. "Há um senso de urgência muito alto no mercado", diz Eduardo Stefano, vice-presidente de redes corporativas da companhia. Cidades como Sud Mennucci (SP), Piraí (RJ), Parintins (AM) e Tiradentes (MG) são outros exemplos.
"São projetos pequenos, apenas uma forma de demonstração da nossa capacidade", comenta o diretor comercial da Alcatel-Lucent, José Vasques, ao se referir à rede que a companhia inaugurou recentemente em Visconde de Mauá (RJ). "Agora estamos partindo para outros casos de maior porte."
Não são apenas os fabricantes de equipamentos que estão de olho no mercado de comunicação sem fio. As operadoras de telefonia fixa, embora resistentes a falar sobre o assunto, não estão paradas. "As teles começaram a ver esses projetos acontecerem embaixo do nariz delas e agora decidiram agir", diz o gerente comercial da divisão de governo da D-Link, Fred Maynart. "Hoje só a Telefônica tem mais de 20 gerentes nas ruas só para bater na porta das prefeituras."
A Telefônica foi procurada para comentar o assunto, mas não deu resposta. A Brasil Telecom não quis falar sobre o tema. A Oi, por meio de nota, afirmou que "a expansão da oferta de banda larga traz benefícios inquestionáveis", mas a implantação de projetos como o das cidades digitais "demanda investimentos que vão além da aquisição de equipamentos" para redes municipais. Uma saída para a sustentação das iniciativas, segundo a operadora, seriam as parcerias público-privadas.
As discussões sobre a viabilidade dos projetos também passam pelo aspecto da tecnologia. Há experiências em que as redes WiFi, originalmente usadas em ambientes internos, como aeroportos, têm se mostrado mais viáveis em projetos nos quais a área de cobertura não é tão extensa. Em outras situações, a escolha pende para o chamado WiMax, padrão de maior alcance que o WiFi, porém mais caro. Uma terceira via ainda pode ser o WiMesh, tecnologia usada na cidade mineira de Tiradentes que faz uso de várias antenas instaladas em diferentes pontos para ampliar sua capacidade de transmissão.
Para o prefeito de Santa Cecília do Pavão, Edimar Santos, os meandros tecnológicos são irrelevantes. "O importante é que, agora, se alguém sentar na praça da cidade com um notebook no colo poderá navegar pelo mundo."
02 agosto 2007
às 18:01
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