02 agosto 2007

O papel das empresas, decisivo para o bem e para o mal

José Eli da Veiga, para o Valor Econômico

Sobre o livro "Os Desafios da Sustentabilidade" - De Fernando Almeida, Ed. Campus/Elsevier, 304 págs.


É no papel dos empreendimentos empresariais que se concentra este novo livro de Fernando Almeida, embora seu público-alvo esteja longe de se restringir ao mundo corporativo. Foca o segmento empresarial porque acredita que é nas empresas que está a essência do poder no mundo contemporâneo e, portanto, a maior responsabilidade pelos rumos que poderão se impor.

Será um erro, porém, se as livrarias colocarem este livro nas prateleiras reservadas a auto-ajuda empresarial. Principalmente porque o autor conseguiu a proeza de evitar todas as limitações desse tipo de escrita ao se propor discutir a crucial contribuição do setor privado para a crescente insustentabilidade dos processos de crescimento econômico e de desenvolvimento.

Não é livro de "abobrinhas", como muitos daqueles que abusam das boas receitas normativas para vender a idéia de que uma empresa pode se tornar sustentável caso seus dirigentes aceitem os conselhos do autor. Na verdade, ótimas dicas desse tipo até podem ser encontradas na segunda parte, e principalmente no sexto capítulo, no qual se faz um primoroso balanço dos oito mais importantes instrumentos já criados para que a noção de sustentabilidade possa ser inserida no cotidiano das empresas: ISO 14000, Índice Dow Jones de Sustentabilidade (IDJS), diretrizes da OCDE, "Global Compact", "Global Reporting Initiative (GRI)", norma AA1000 com comitês de garantia independentes, norma AS 8000 da "Social Accountability International (SAI)", e até a lei americana Sarbannes-Oxley. Todavia, a abordagem é muito mais ampla e profunda.

Antes de tomar contato com tais instrumentos, e de poder relacioná-los com a transparência, com o engajamento dos "stakeholders", com inovações tecnológicas e sociais, ou com as finanças, na primeira parte o leitor já foi confrontado com a urgência da questão. Foi-lhe apresentado o largo inventário do conhecimento disponível sobre a degradação ambiental que resultou da Avaliação Ecossistêmica do Milênio, a mais nobre iniciativa do anterior secretário-geral da ONU, Kofi Annan, e de cuja execução Fernando Almeida teve o privilégio de participar como membro do conselho diretor. Nesses primeiros quatro capítulos se encontra um panorama, que não poderia ser mais completo, do comportamento dos sistemas naturais e também da influência que a Avaliação Ecossistêmica acabou tendo sobre a formulação dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio.

Depois, na terceira parte, surge a principal contribuição do livro para o debate sobre a própria exeqüibilidade do desenvolvimento sustentável. Aí o autor pergunta por que tal noção ainda se mantém enclausurada numa elite intelectual. E rejeita liminarmente a hipótese de que o grande arco de interesses contrariados seja razão suficiente para explicar tal isolamento. Em vez disso, acha que estão nas dificuldades conceituais do desenvolvimento sustentável, em seu ineditismo, e em sua transversalidade, os obstáculos à geração de indispensável massa crítica de líderes - uma tese que merece ser levada muito a sério, principalmente quando exposta por um engenheiro cujos 32 anos de dedicação integral ao tema do meio ambiente o legitimam na presidência-executiva do CEBDS - Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável. Uma organização que está, desde 1997, na vanguarda da luta pela conservação da base material de qualquer possibilidade de aumento das liberdades humanas.

Outra grande qualidade do novo livro desse professor da UFRJ (Politécnica e Coppe), que também esteve presidente da Feema-RJ (Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente), está na maneira de relatar dezenas de casos, dos quais os mais saborosos nem sempre são róseos. Ao abordar o tema das finanças, por exemplo, conta que o Banco Mundial concedeu grande empréstimo a destacada firma do agronegócio brasileiro, mas só no meio da execução do projeto é que percebeu que ela simplesmente destruíra uma área de preservação permanente. A liberação das demais parcelas passou a ser então condicionada à efetiva reparação do crime. No entanto, em vez de atender à exigência do Bird, a empresa propôs uma parceria de operação financeira ao Banco Real, sem revelar a destruição da reserva florestal. Conseguiu, assim, vender debêntures ao banco, mediante apresentação de excelente dossiê financeiro. O dinheiro liberado pelo Banco Real seria usado para saldar a dívida com o Banco Mundial e para expandir a plantação na área devastada se - por sorte, diz Almeida - o Real não tivesse sido alertado a tempo sobre a manobra pela ONG Amigos da Terra. A situação foi revertida com oferta de ajuda ao infrator, para que viabilizasse seu negócio com o reflorestamento da área. Só falta mesmo é dar nome a todos os bois.

Esse e outros casos mostram que serão necessários muitíssimos mais "amigos da terra" - além de muitíssima mais sorte - para que saiam do papel os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. Afinal, as três metas essenciais do penúltimo desses objetivos, que visa "garantir a sustentabilidade ambiental", pretendem conseguir: a inversão da tendência atual de perda de recursos naturais, a redução pela metade da proporção da população sem acesso permanente à água (até 2015) e considerável melhora da vida de pelo menos 100 milhões de habitantes de áreas degradadas (até 2020). Como enfatiza o próprio título do livro, são desafios que exigem urgente ruptura.

Em suma, trata-se de leitura recomendável não apenas aos que já trabalham, seja no privado, no público, ou no terceiro setor, mas particularmente aos estudantes de todos os quadrantes. Quem tomar contato com esse livro terá formidável oportunidade de entender, em termos bem concretos, o que está impedindo que sejam sustentáveis os processos de desenvolvimento.

José Eli da Veiga é professor titular do departamento de economia da FEA/USP e coordenador de seu Núcleo de Economia Socioambiental. ( www.zeeli.pro.br )

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