01 fevereiro 2007

Google: Até os donos ajudam a contratar
28.12.2006


Com um recrutamento quase paranóico, o Google contrata 16 funcionários por dia. Todos são aprovados pelos fundadores da empresa

Por Cristiane Mano
EXAME A dupla Larry Page e Sergey Brin criou o maior fenômeno ponto-com de todos os tempos com um jeito de fazer negócios altamente inovador. O Google lança novos produtos como pão quente -- tão diferentes como e-mail, blogs, fotos de satélite ou um programa para planilhas semelhante ao Excel. Os resultados crescem de maneira espantosa. As vendas -- de publicidade, pois todos os serviços são gratuitos -- ultrapassaram 7 bilhões de dólares entre janeiro e outubro de 2006 e analistas projetam que cheguem a 10 bilhões de dólares até o final do ano. O valor de mercado da empresa em bolsa beira os 150 bilhões de dólares -- superior ao de companhias tradicionais, como GM e Coca-Cola. Apesar da exposição pública que esse espantoso crescimento provocou, o Google tenta preservar um segredo: seu modelo de contratação de funcionários, um dos mais complexos do mundo. "O processo é extenuante", diz Alexandre Hohagen, diretor-geral do Google no Brasil, que passou por 18 entrevistas antes de ser contratado. "Mas é uma maneira eficiente de contratar as melhores pessoas e também as mais afinadas com nossa cultura."

O Google é hoje o segundo lugar de trabalho mais cobiçado por alunos de MBAs nos Estados Unidos -- atrás apenas da consultoria McKinsey -- e as particularidades de seu processo de contratação tornaram-se lendárias no Vale do Silício, na Califórnia, onde fica a sede da companhia. Há inúmeros relatos na internet (facilmente encontrados numa busca no... Google) de candidatos que passaram por mais de uma dezena de entrevistas. Mesmo num ritmo frenético de crescimento, com recrutamento de 16 profissionais por dia em todo o mundo, reza a lenda que os fundadores Page e Brin deram a palavra final na contratação de cada um dos 9 600 funcionários da empresa. O processo rigoroso vale para todos: do presidente de uma subsidiária às secretárias dos executivos. Para ter uma idéia do grau de exigência, o Google contratou cerca de 15 engenheiros no Brasil neste ano -- embora a subsidiária tenha carta branca para contratar quantos quiser. "Estamos atrás de um perfil específico", diz Berthier Ribeiro-Neto, diretor de engenharia do Google no país, que já entrevistou centenas de candidatos. "É preciso ter conhecimento técnico, capacidade de aprendizado e afinidade com a cultura do Google. Gente arrogante, por exemplo, está fora."

A regra para selecionar os melhores é fugir do lugar-comum desde o primeiro momento. O exemplo mais eloqüente é um cartaz que a companhia espalhou recentemente em locais como a rodovia BR-101, a movimentada via de acesso entre o Vale do Silício e São Francisco, que dizia apenas: [first 10-digit prime found in consecutive digits of e].com. O enigma nem sequer trazia o logotipo do Google. Para a maioria dos mortais, a equação não significa nada. Alguns engenheiros e matemáticos, porém, conseguem traduzir o emaranhado de letras e números e transformá-lo na mensagem 7427466391.com. Os curiosos que conseguiram atravessar o primeiro obstáculo e digitaram o endereço na internet chegaram a uma página com outro problema ainda mais difícil. Quem conseguiu resolvê-lo recebeu um convite para enviar o currículo. A companhia também inseriu um teste de aptidão chamado Google Labs Aptitude Test em publicações especializadas, como o periódico Linux Journal. São 21 questões, com problemas matemáticos complexos e algumas quase poéticas, como "Qual é a equação matemática mais bonita na sua opinião?" Após o envio e a aprovação das respostas, os candidatos seguem no processo. Outra maneira comum de a empresa se aproximar de candidatos é estimular indicações de funcionários, que recebem uma bonificação (cujo valor a empresa não divulga) se houver sucesso na contratação. Tudo isso parece excentricidade de um grupo de nerds? Pode ser. É muito provável que um modelo como esse naufragasse numa companhia mais conservadora. Mas no Google tem funcionado como uma espécie de combustível para a companhia mais inovadora da atualidade.

O centro da estratégia de contratação do Google está na tentativa quase paranóica de manutenção de sua forte cultura empresarial. Nenhuma etapa do recrutamento, por exemplo, é terceirizada. Nem quando se trata de altos executivos. A contratação de headhunters só ocorre em casos raros, como a entrada em um novo país. Foi o que aconteceu a Hohagen, diretor-geral para o Brasil, recrutado com outros finalistas pela consultoria Egon Zehnder quando o escritório da companhia foi montado em São Paulo, em meados de 2005. Com base na seleção feita pela consultoria, o estilo Google de contratar entrou em ação. A primeira etapa foi enviar os currículos para que o time de recrutadores internos da empresa, baseado nos Estados Unidos, checasse as informações. "Se o candidato diz ter fluência em inglês, por exemplo, um recrutador americano liga para ele e tenta manter uma conversação", diz Hohagen.

O próximo passo é a maratona de entrevista. No caso de Hohagen, foram 18 -- dez delas na matriz, em Mountain View, na Califórnia, num único dia. A maratona durou quase dois meses. "O processo foi muito mais intenso do que eu poderia imaginar", diz ele, que hoje dedica cerca de um quarto do tempo para entrevistar candidatos para o escritório da companhia no Brasil, onde trabalham cerca de 60 pessoas. Todos os funcionários do Google são entrevistadores em potencial -- e por isso são treinados para conduzir corretamente a seleção. "Uma das lições é levar a conversa até o final, mesmo que se perceba logo no começo que o candidato não é o ideal", diz Ribeiro-Neto. "A idéia é manter a boa imagem da companhia e deixar as portas abertas para uma nova tentativa no futuro, se o interessado conseguir se preparar melhor para a vaga." Em geral, um candidato é sabatinado tanto por futuros colegas de trabalho como por funcionários de outras áreas e até de outros países. Cada entrevistador preenche um formulário, em que explica detalhadamente as razões que levaram à indicação ou à eliminação de um candidato. Para que o postulante ao cargo seja aceito, é preciso haver unanimidade. Um único voto contra elimina o aspirante.

Nos primórdios do Google (e lá se vão apenas oito anos), os co-fundadores, Page e Brin, entrevistavam todos os contratados. Ainda hoje pelo menos um deles reserva um dia na semana para debruçar-se sobre os dossiês dos recrutadores e dar a palavra final sobre a aprovação dos candidatos. Para quem acha que isso não passa de folclore, Hohagen conta que há poucos meses um finalista brasileiro recebeu o cartão vermelho porque um dos fundadores encontrou um erro gramatical em seu currículo. "Tivemos de insistir e argumentar que, apesar daquele tropeço, ele era a pessoa certa", diz ele. "No final, conseguimos reverter a decisão."

Nos últimos anos, os próprios fundadores vêm questionando a viabilidade do modelo. Em fevereiro de 2005, Sergey Brin anunciou a analistas que a rigidez nos critérios de contratação poderia se tornar um obstáculo à expansão dos negócios. Em março deste ano, a companhia substituiu seu primeiro diretor de recursos humanos. O escolhido foi Laszlo Bock, ex-diretor da General Electric, empresa mundialmente conhecida pela habilidade em recrutar e formar pessoas. Uma das mudanças implementadas por Bock foi limitar o número de entrevistas para, no máximo, nove. A empresa também estuda criar, para alguns cargos, um modelo mais veloz que envolva apenas duas entrevistas -- um padrão mais próximo ao da maioria das empresas. Os fundadores parecem ter entendido que desburocratizar o recrutamento (pelo menos um pouco) pode ser fundamental para que a companhia consiga continuar crescendo de forma acelerada -- e sem abrir mão de seus valores e dos melhores talentos.

A maratona da contratação
Veja o passo-a-passo de um recrutamento no Google

1 - A equipe de recrutadores internos inicia a seleção dos currículos dos candidatos. No primeiro contato por telefone, eles checam informações gerais, como fluência em inglês
2 - Os finalistas são entrevistados individualmente por um
comitê de funcionários do Google composto de até nove pessoas
3 - Após a entrevista, cada membro do comitê preenche um relatório para justificar a eliminação ou a recomendação do candidato
4 - Depois de todas as entrevistas, o comitê faz uma reunião para definir quem será contratado. O nome tem de ser aprovado por unanimidade
5 - Um recrutador checa se os relatórios foram preenchidos corretamente e valida a escolha
6 - A última palavra é dos fundadores, Larry Page e Sergey Brin, que lêem os dossiês dos indicados para contratação em todo o mundo
Fonte: empresa

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