14 fevereiro 2007

Preocupação com o ambiente gera disputa por especialistas

Valor Econômico
Por Andrea Giardino e Bettina Barros
14/02/2007

Christianne Maroun, da ICF, perdeu um funcionário para a concorrência: poucos entendem de créditos de carbono no país
O aquecimento global trouxe às empresas uma realidade assustadora: se não começarem a se preocupar em controlar a emissão de poluentes, correm sérios riscos de terem seus negócios comprometidos. Pressionadas por todos os lados, as companhias estão à procura de especialistas ambientais com a missão de ajudar no relacionamento com a sociedade e que saibam conduzir de forma responsável os processos industriais.

A procura por esses profissionais - de engenheiros ambientais a especialistas em créditos de carbono - tem crescido tanto nos últimos anos que já gera disputa por talentos entre concorrentes. "São carreiras extremamente promissoras e devem continuar em alta pelos próximos dez anos", diz Rodrigo Soares, consultor da Case Consulting, empresa de recrutamento com foco em média gerência.

Para se ter uma idéia desse aquecimento no mercado, em pouco mais de um ano, a consultoria recrutou profissionais para 30 vagas ligadas a sustentabilidade, com salários que chegaram a R$ 17 mil. A remuneração é um dos maiores atrativos. "Especialistas ganham em torno de R$ 8 mil, enquanto gerentes sêniores podem receber o dobro", ressalta. Segundo Soares, os valores inflacionados devem-se à falta de gente preparada para atender às necessidades do mercado, que exige do profissional uma visão não só de meio ambiente, mas de aspectos sociais e econômicos.

"São poucos profissionais que realmente entendem do assunto", diz Christianne Maroun, especialista em créditos de carbono da consultoria americana ICF International, que em 2002 abriu escritório no Rio. "Vemos pessoas com experiência em meio ambiente, mas não no mercado de créditos de carbono. É difícil encontrar profissionais com experiência em inventários de emissões de gases, por exemplo".

A explicação para isso é simples: embora a discussão em torno do aquecimento do planeta não seja tão nova assim, o Tratado de Kyoto foi ratificado apenas em fevereiro de 2005. É ele que determina a meta de redução gradativa das emissões de gases que estão torrando o planeta. "É muito pouco tempo para aprender e atrair a atenção dos profissionais", diz Christianne. Formada em química industrial e com 15 anos de experiência na área de meio ambiente, ela recebeu treinamento de uma semana na matriz nos EUA para assumir a gerência do escritório carioca.

Na falta desses profissionais , a ICF optou pelo caminho seguido por grande parte das consultorias: contratar recém-formados e treiná-los. Com salários iniciais na casa dos R$ 3,5 mil, esses jovens profissionais são cobiçados no mercado. "É um rouba-rouba", diz Christianne, ao lembrar de um funcionário levado pela concorrente. "Treinamos um ano essa pessoa, que entrou sem saber nada. Aí veio o concorrente e ofereceu o dobro do salário, com chance de morar em Londres. Não tinha como cobrir a proposta".

Apesar de não existirem números consolidados no Brasil, consultores e outros profissionais da área ambiental são unânimes em dizer que há forte demanda no setor. No mercado brasileiro existe hoje pelo menos uma dezena de consultorias especializadas em cálculos de reduções de poluentes, prospecção de mercado, preparação de projetos de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL, que permitem a comercialização dos créditos de carbono) e até na "neutralização de carbono", a compensação dos gases poluentes emitidos por indivíduos ou empresas através do plantio de árvores.

"O grande boom é do pessoal técnico para projetos de MDL e neutralização", diz Werner Grau, sócio do Pinheiro Neto Advogados em São Paulo. O escritório, um dos maiores do Brasil, aponta o crescimento do setor na própria expansão de seu departamento ambiental. "Começamos nos anos 90 com um associado e dois estagiários. Hoje somos 20 pessoas e três sócios", diz Grau, um dos sócios.

O departamento também se expandiu para os escritórios do Rio e de Brasília. "Trabalho hoje quase metade do meu tempo com contratos ambientais", diz Grau. Segundo ele, o número de jovens advogados interessados no assunto tem crescido a olhos vistos. "Há muita gente procurando estágio nessa área, e muitas empresas públicas e privadas estão pedindo nossa consultoria sobre questões ambientais".

De acordo com Gisleine Camargo, gerente de assessoria em gestão de RH da KPMG, a demanda por profissionais ligados a meio ambiente e sustentabilidade é grande. "Por ser uma área nova no Brasil, quem tem curso de graduação ou pós ainda não pode colocar em prática seus conhecimentos de sala de aula".

Nos últimos três meses, a KPMG trabalhou duas posições ligadas à sustentabilidade. Um dos cargos era para gerente-sênior, que tivesse experiência tanto em ONG quanto em empresa privada. A outra era destinada a um especialista com perfil ambiental. "Quem tem experiência está ditando a prática salarial no mercado. Já tive empresa querendo pagar R$ 30 mil para um executivo que ganhava quase R$ 15 mil", lembra Gisleine.

Na área de petróleo, quem possui formação ou atua em meio ambiente, saúde e segurança do trabalho é ainda mais valorizado. "Encontrar esse profissional é raro, principalmente que entenda sobre petróleo", diz Eduardo Freitas, gerente de saúde, segurança e meio ambiente do BG Group no Brasil, um dos maiores grupos internacionais do setor de petróleo e gás. "Os poucos são bastante disputados". Ele mesmo é um exemplo. Após trabalhar por 19 anos na Petrobras, foi pinçado pelo grupo estrangeiro El Paso. Seis anos depois recebeu proposta irrecusável da BG, não pensou duas vezes e fez as malas novamente.

Agora, Freitas sente na pela a dificuldade de encontrar gente para sua equipe. "Quando há necessidade e não achamos no mercado, optamos por treinar recém-formados. Quem sai da faculdade tem uma visão unilateral e precisamos de engenheiros de meio ambiente conhecedores da área de operação e exploração de petróleo. Isso só é possível formando aqui dentro". Para ele, quem está pronto possui um diferencial competitivo, com salários entre 40% e 50% maiores que os praticados em outros mercados.

Não é à toa que indústrias, como a de petróleo, se preocupem com isso, já que estão na lista das que mais liberam CO2, um dos gases responsáveis pelo efeito estufa. Na Aracruz, a maior produtora de celulose do país, o assunto meio ambiente fica nas mãos de Carlos Alberto Roxo, diretor de sustentabilidade e relações corporativas, que tem sob seu comando quatro gerências: de comunicação corporativa, meio ambiente, relações corporativas e relações com a comunidade. No total, ele conta com uma equipe de 14 pessoas que trabalham em conjunto com as demais áreas da empresa. "Até o presidente dedica 40% do seu tempo aos assuntos ambientais", revela.

Mas encontrar profissionais que entendam de meio ambiente e aspectos sociais é uma tarefa árdua. "A carência é maior porque há uma disputa não só pelas empresas, mas pelas ONGs, consultorias e órgãos públicos", diz Roxo. No caso da Aracruz - que integra o índice Dow Jones de sustentabilidade -, apesar de hoje as contratações não estarem no ápice, o executivo lembra que já passou por momentos críticos. "Tivemos vários processos longos de seleção, o mais demorado levou nove meses", conta.

Nenhum comentário: