O economista Hugo Penteado critica as políticas econômicas que desprezam o meio ambiente
Economista-chefe e estrategista de investimentos do ABN AMRO Asset Management, área que administração fundos de investimentos do Banco, Hugo Penteado é um economista com extenso conhecimento em ecologia e meio ambiente. Em seu livro Ecoeconomia, uma nova abordagem, publicado em 2003, ele comenta as teorias econômicas que excluem as variáveis sociais e ambientais e mostra que o sistema econômico está diretamente ligado à natureza. Crítico da economia do descarte, Hugo combate o conceito de que crescimento econômico traz desenvolvimento sustentável e bem-estar social. Nesta entrevista, ele revela como o dano ambiental virou um problema financeiro e as conseqüências de os economistas ignorarem os conhecimentos da ciência, da paleontologia, da história, da sociologia e da ecologia. "Um dia o ser humano acreditou que a Terra era plana. Agora ele acredita que o crescimento é eterno", compara.
Instituto Ethos: É difícil acreditar que seu livro "Ecoeconomia" foi escrito por um economista. O que fez você ir atrás desse conhecimento?
Hugo Penteado: Eu não sou ecologista, eu continuo sendo economista. Mas o primeiro aspecto é que não dá para separar as duas coisas. Eu acho que isso é um grande mito. O ser humano acha que ele é capaz de produzir alguma coisa. Infelizmente, a má notícia que eu tenho para dar é que o ser humano não produz nada. O ser humano não produz nem matéria, não produz energia. Ele é um mero transformador dos recursos. E isso significa que tudo que está em nossa volta, sem exceção, veio da natureza, inclusive o sistema econômico. Então não dá para escapar disso. As duas coisas estão extremamente interligadas e interdependentes. E a outra má notícia é que o sistema econômico não é a ponta forte. É a ponta fraca porque o meio ambiente oferece serviços que nós não somos capazes de produzir e que estão sendo abalados por causa da nossa atuação precária e descuidada em relação ao ecossistema. Basta lembrar dois fenômenos globais: o maior processo de extinção da vida nos últimos 65 milhões de anos, causada pela destruição do ecossistema, e o aquecimento global. Lembrando que esses não são os nossos únicos problemas. Tudo isso está ocorrendo porque a gente criou a economia do descarte, nós vivemos o mito do jogar fora. A gente acha que consegue jogar fora alguma coisa, mas o planeta é um sistema fechado. Nada pode ser jogado fora. Nós transformamos o planeta numa enorme lixeira conosco dentro. O economista tem um poder de definição da realidade e das políticas econômicas e desconhece tudo que se sabe sobre paleontologia, história, sociologia, ecologia, física etc. É um conhecimento que se tornou dominante e que abre mão do conhecimento das outras ciências, o que está totalmente em descompasso com o conhecimento adquirido pela humanidade nas últimas décadas. Um exemplo simples: esse planeta passou milhares de anos acumulando materiais embaixo da terra. A nossa vida aqui só foi possível por causa do acúmulo desse material. Hoje, estamos fazendo um processo reverso, atirando na superfície da terra uma série de materiais (mercúrio, dióxido de carbono, ouro) com os quais o seu processo geológico de bilhões de anos não sabe como lidar. O sistema planetário é finito, regenerativo e circular. O sistema econômico é infinito, degenerativo e linear: extrai, produz, descarta.
Instituto Ethos: Essa é a sua critica às teorias econômicas?
Hugo Penteado: Os modelos econômicos, por uma série de mitos e uma teoria equivocada da realidade, excluíram dos modelos as variáveis sociais e ambientais. Essa é uma crítica antiga que foi feita por economistas como Nicholas Georgescu-Roegen, Clube de Roma etc. Mas a crítica que foi feita é pela forma como até hoje os economistas utilizam as leis da mecânica para explicar os processos econômicos. A mecânica é a ciência da locomoção. Basta saber massa, posição e velocidade e está tudo resolvido. Qual é a conclusão? É que todos os processos econômicos não geram mudanças qualitativas no sistema natural, são reversíveis e previsíveis. Ou seja, eu posso passar um trator na Amazônia, dou marcha ré que nada aconteceu. Embora isso não seja verdade, é assim que as teorias econômicas tratam essa questão. Para a teoria econômica, em todas as suas vertentes, o sistema econômico é considerado neutro para o meio ambiente. Isso faz com que o sistema de preço seja totalmente incapaz de resolver a questão. Porque o sistema de preços é decorrente de uma teoria, de um conjunto de valores. E se o conjunto de valores da população ignora a questão ambiental e se a teoria é falsa, não tem como regular os preços a partir disso. O sistema de preço não vai resolver. Provavelmente a solução está na questão tributária. Além desse mito da mecânica, tem o mito tecnológico que explica grande parte da teoria do crescimento econômico.
Com a tecnologia é como se o ser humano fosse capaz de produzir alguma coisa, quando na verdade, até as tecnologias muito desenvolvidas dependem da natureza. O problema da variável tecnológica é que ela tornou o meio ambiente inesgotável. Então eu tenho dois mitos dentro das teorias econômicas: um que o sistema econômico é neutro para o meio ambiente e outro que o meio ambiente é inesgotável. Qual é a conseqüência pratica disso? Só se fala em crescimento econômico. E para completar, nós herdamos uma visão dos países ricos que confunde crescimento e desenvolvimento. Não conseguimos fazer essa distinção clara entre desenvolvimento e crescimento, o que já virou uma discussão gravíssima dentro da Organização das Nações Unidas. Todo mundo já está convencido de que não existe conexão direta entre desenvolvimento e crescimento, entre crescimento e bem-estar. Mas o crescimento passou a ser a panacéia de todos os problemas sociais.
Instituto Ethos: Nesse sentido, como você vê os programas econômicos anunciados pelo governo, como o Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), por exemplo? Você acha que temas como sustentabilidade e meio ambiente têm recebido a devida atenção?
Hugo Penteado: Não. As variáveis ambientais e sociais ainda são bastante excluídas. A visão do mundo é a seguinte: os economistas acham que a economia é um problema econômico e o problema do ambiente se resolve com uma boa política ambiental. Então existe claramente, na visão econômica atual, uma separação entre meio ambiente e o sistema econômico. E o que estou dizendo é exatamente o contrário. Eles são entrelaçados pelo fato de que o ser humano não produz nada, nem matéria nem energia. Então o sistema econômico é totalmente dependente da natureza. A gente tem que voltar para o ponto de partida que são os mitos. O sistema econômico é neutro para o meio ambiente, o meio ambiente inesgotável e todos os problemas sociais serão resolvidos com o crescimento. Esses três mitos estão colocando tudo numa única discussão, que é a discussão do crescimento. Porque se o sistema econômico é neutro para o meio ambiente e o meio ambiente é inesgotável, eu posso crescer sempre. E se todos os problemas sociais resolvem-se com o crescimento, então não é que eu posso, mas eu devo crescer. E isso tem uma série de conseqüências.
Instituto Ethos: Na sua opinião, os ambientalistas ganharam voz depois desse alarme sobre o aquecimento global?
Hugo Penteado: Não. O movimento ambientalista é muito antigo e tem um mérito fantástico. Mas nem tudo são louros. Eu acho que há uma falha no sentido de não ter feito uma relação causal direta entre as nossas ações humanas com resultado ambiental. Eu acho que esse é o grande mérito do filme (Uma Verdade Inconveniente) do Al Gore, fazer uma relação direta entre as nossas ações diárias e o aquecimento global. Um outro problema é que na década de (19)70 uma das grandes iniciativas dos ambientalistas era transformar a Amazônia num protetorado internacional. Eles tinham essa visão de que o ser humano iria destruir tudo. Mas de repente eles descobriram que isso não era verdade. Eu posso criar o parque nacional, mas se o que eu estou fazendo em torno deste parque, nos países, no globo terrestre for ruim, ele não vai sobreviver. A Amazônia não vai sobreviver ao aquecimento global por estar isolada. Eu posso protegê-la inteirinha hoje, mas se a temperatura da Terra subir, ela pode morrer. Então não adianta nada eu criar parques nacionais e separar o ser humano da natureza. O que o movimento ambientalista precisa fazer é mudar o modus operandi, influenciar o sistema econômico, influenciar as políticas econômicas. Nós já começamos esse processo, hoje temos o Ministério do Meio Ambiente. Mas a gente precisa abandonar a famosa "fábula do rinoceronte", de Monteiro Lobato. Numa cidade fugiu o rinoceronte e imediatamente foi criado um órgão para recaptura do animal. A única função desse órgão era jamais acha-lo para ele não perder a necessidade de existir. Os órgãos ambientais um dia têm que deixar de existir, porque as variáveis ambientais vão estar incluídas no modelo e eu não vou precisar mais dele. Eu preciso vincular as coisas e não deixá-las desvinculadas.
Instituto Ethos: O tema do Fórum Mundial Econômico foi aquecimento global. Qual sua opinião sobre o que aconteceu em Davos?
Hugo Penteado: A questão ambiental ganhou um contorno muito grande recentemente e dois fenômenos contribuíram muito para isso. Sem querer desprezar o movimento ambientalista, que também teve seu papel, mas dois fatos tiveram uma importância gigantesca para que a questão ambiental viesse à tona. A primeira delas é o ganho de escala. As economias cresceram tanto que hoje somos capazes de produzir num único ano o que a gente produzia em cem anos. Qualquer acidente é imediatamente percebido. Antigamente, os danos ambientais quem cuidava era o tempo. Hoje, enquanto eu estava escrevendo esse livro, foi feito um derramamento de lixo tóxico no Rio de Janeiro que afetou seis municípios do Estado, e foi a maior gritaria. A população cresceu muito e as estruturas econômicas, igualmente. O movimento ambientalista apareceu porque o ganho de escala não é mais invisível. Não consigo mais ir ao Centro-Oeste jogar um monte de lixo e passar mais 40 anos sem que ninguém veja. O segundo grande contribuinte é a falência do governo no mundo todo. Nos governos mais disciplinados, a falência decorreu da transição demográfica e do problema de doenças crônicas, que é fruto da modernidade, dos maus hábitos de alimentação e da falta da medicina preventiva. Nós temos hoje os custos de saúde e previdência subindo duas vezes mais rápido do que o PIB dos países da OCDE. A Alemanha já está abandonando a medicina curativa em prol da medicina preventiva. Estamos tendo uma discussão enorme sobre hábitos alimentares no mundo. Por quê? Porque não dá para financiar. Então são esses dois fatores os dois grandes responsáveis: a falta de invisibilidade temporal devido ao ganho de escala e a falência dos governos. Os países que eram bem disciplinados estão enfrentando esses custos elevadíssimos. E quem era indisciplinado, como o Brasil, enfrenta a necessidade de apagar o passado de má administração fiscal. Os governos não querem mais custear os danos ambientais que antes eram socializados. Por exemplo, os terrenos na marginal Pinheiros. Há 50 anos, as empresas jogavam lixo tóxico ali. Quando chegaram os edifícios, quem foi que limpou esses terrenos? A prefeitura, com o dinheiro do contribuinte. Mas isso acabou. Estamos vivendo a maior história de privatização do planeta: a privatização do dano ambiental. E essa privatização transformou o problema do meio ambiente num problema financeiro e não mais no problema do mico-leão-dourado, de uma árvore ou de um bicho. Virou problema financeiro. E um dos riscos financeiros é o risco ambiental.
Instituto Ethos: É dessa forma que você atua como economista?
Hugo Penteado: Nós estamos num período de transição. Nós não temos uma resposta para tudo. O que sabemos é que não adianta propor uma mudança que não seja dentro do núcleo de negócios. Então, por exemplo, o banco abandona qualquer tipo de madeireira que não tem manejo sustentável. Mas a minha abordagem é inclusiva. Olha você tem um tempo para adaptar o seu negócio, mas infelizmente se você não se adaptar você não vai mais trabalhar comigo porque não faz parte do meu núcleo de negócios contribuir com a devastação das florestas. E todo banco vai começar a fazer isso, porque além de ser extremamente antiético e danoso do ponto de vista dos stakeholders, tem também a questão financeira. Mesmo que não ocorra a fiscalização, seu negócio acaba quando acaba a floresta. Se há manejo sustentável, seu negocio é renovável, ele nunca vai acabar. E eu tenho interesse em negócios que não tenham data limite. Acabou a floresta, acabou aquela madeireira.
Instituto Ethos: E como você aplica todo esse conhecimento em meio ambiente no seu dia-a-dia de trabalho?
Hugo Penteado: Estamos participando de processos que ainda são incipientes. Eu faço palestras com clientes do banco para reforçar nossas políticas e para eles perceberem que isso não se trata de um discurso e sim de prática. Eu escrevo artigos, notas e faço todo esse papel de aumentar a crítica. Mas também faz parte do meu dia-a-dia lidar com uma realidade que é aquela: saber quantas economias vão crescer e lidar com o mercado financeiro.
Instituto Ethos: Você tem uma visão positiva sobre esse tema?
Hugo Penteado: Sim, porque o ser humano é o único ser vivo capaz de perceber a realidade e o que está em volta dele. Então vamos perceber que a rota atual vai nos levar para o abismo. E quem está falando isso são dois mil cientistas. Não há duvida, é um consenso. O primeiro passo já surgiu, que é essa discussão sobre o aquecimento global. Mas o problema é que as estatísticas sobre meio ambiente hoje em dia dizem o seguinte: os países que mais destroem o meio ambiente e a biodiversidade são àqueles em desenvolvimento e os atrasados. Ai qual o corolário? Desenvolva os paises pobres. Faça-os crescer que estará tudo resolvido. Mas os países ricos não destroem nada porque não têm mais nada para destruir. A Europa destruiu 100% das florestas, os Estados Unidos, 98%, a Itália destruiu 99% dos manguezais. O que eles têm mais para destruir? A própria divulgação dos danos ambientais está errada. Não é a destruição da margem que importa. Eu quero saber qual foi a destruição acumulada. O planeta é um estoque. Não temos fluxo de planeta. E isso é muito sério, porque evita que se faça uma crítica ao modelo de desenvolvimento. E o que é pior, torna o modelo de desenvolvimento que vigora no mundo todo e que está sendo seguido pela Índia, pela China e pelo Brasil como uma solução. Não trazemos à tona a necessidade de pegar todas as tecnologias que já foram inventadas para minimizar os impactos ambientais. E os economistas estão extremamente confortáveis com a visão deles que é dominante.
21 fevereiro 2007
às 23:07
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